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Tributação Autónoma sobre Viaturas

12 Julho, 2021

Como o próprio nome indica, estamos perante um encargo tributário que é imposto de forma autónoma em relação à matéria coletável principal.

Este imposto é apurado de forma independente do resultado para efeitos de IRC e tem sofrido agravamentos progressivos ao longo dos anos.

A tributação autónoma consiste numa tributação extraordinária de determinados gastos que uma empresa tem e que podem não estar  diretamente relacionados com os gastos da actividade. Entre esses gastos destacam-se: despesas de representação, despesas não documentadas e os encargos com viaturas. Ou seja, pela sua natureza, são gastos que, sob a aparência de gastos empresariais podem ser, na verdade, gastos pessoais. Assim, e por haver uma suscetibilidade acrescida de utilização abusiva o legislador optou por impor um encargo associado a essas despesas.

Estas despesas são taxadas independentemente de as empresas registarem lucros ou prejuízos fiscais. Na verdade, caso exista prejuízo fiscal, as taxas são agravadas em 10% o que representa uma  penalização  muito alta para as empresas.

Esta tributação, criada em 2001, procura combater a evasão fiscal, evitando que, como se referiu, as empresas utilizem determinadas despesas para de alguma forma remunerar trabalhadores, permitindo-lhes no caso dos transportes, por exemplo, que utilizem estas viaturas para uso pessoal. Também é utilizada com o objetivo de incentivar às práticas amigas do ambiente dado que as empresas que adquiram e circulem com viaturas híbridas plug-in, viaturas elétricas ou viaturas a GPL ou GNV, têm uma menor tributação a pagar ou até isenção total – como é o caso dos veículos elétricos. Todas as viaturas, a exceção de comerciais ou elétricas, estão sujeitas às tributações autónomas.

Existem empresas que por inerência da sua atividade, como é o caso dos CTT, vieram contestar esta regra, recorrendo a Tribunais para impugnar o imposto pago, alegando que na sua situação especifica era impossível a utilização a título pessoal e que tal poderia ser comprovado. Nas decisões existiam tendências contraditórias: por um lado, existia o argumento de que a norma do código do IRC não admitia prova em contrário e outra corrente que aceitava que a lei incluía uma presunção e que esta podia ser contestada, desde que o contribuinte fizesse prova em contrário, ou seja, de que as viaturas tinham apenas uso empresarial. Começaram por isso a existir decisões contraditórias independentemente da prova.

Havendo divergência na aplicação da noma o caso foi apresentado ao Supremo Tribunal Administrativo que decidiu que as normas legais que que estabelecem a tributação autónoma dos gastos das empresas com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias, motos ou motociclos “constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário”. Com esta decisão, publicada em Diário da República no passado mês de Junho, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) vem pôr um ponto final às dúvidas que dividiam especialistas e que, nos últimos tempos, têm vindo a dar origem a diferentes decisões judiciais nos tribunais arbitrais. Na prática, por muito que as empresas façam prova de que aquelas tributações autónomas não devem ser aplicadas terão sempre que proceder ao pagamento da taxa, sem apelo nem agravo.

 

Neste caso não podemos acompanhar o entendimento do Supremo tribunal Administrativo.

Ao contrário do que foi agora decidido, consideramos que as normas em causa consagram verdadeiras presunções jurídicas. Ou seja, parte-se de um facto conhecido (a existência de gastos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou motociclos) e induz-se um facto desconhecido (a utilização abusiva do gasto supostamente empresarial para beneficiar a esfera pessoal).

Assim sendo, a presunção estabelecida na Lei tem de admitir prova em contrário. É, aliás, a Lei Geral Tributária que no seu artigo 73.º determina que as presunções admitem sempre prova em contrário.

Esta parece-nos ser a única solução possível em face do objecto determinado na Constituição de que o IRC visa a tributação do lucro real. A aplicação acrítica das taxas de tributação autónoma sem possibilidade de prova em contrário transfigura o IRC num imposto sobre a despesa (e cada vez menos sobre o rendimento).

A decisão agora proferida tem um impacto grave na esfera das empresas que, por imperativo da sua atividade, utilizam veículos com as referidas características (veículos ligeiros de passageiros ou motociclos) e transforma o IRC num sistema quase que punitivo por referência à utilização de determinados ativos. Impõe-se bom senso por parte do legislador de reconhecer que a redação da Lei não é justa nem provoca resultados desejáveis, devendo ser alterada de forma a reconhecer estes gastos, pelo menos sempre que justificados, como legítimas componentes negativas do lucro tributável.

Na nossa opinião esta decisão, baseada numa norma para prevenir o abuso, é abusiva, não fazendo sentido onerar situações onde não há abuso.

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